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Trechos do livro “Cybèle Varela – Espaços Simultâneos: 2009-2013”

Considerada em sua diversidade, a produção artística de Cybèle Varela nas suas cinco décadas guarda um traço comum, o de converter seus motivos em paisagens oníricas. Inicialmente isso se relacionava a captação ou invenção a partir de detalhes cotidianos cariocas, mas mesmo ali se percebe um elemento fantasioso a conferir um teor inusitado às narrativas nela desenroladas. Paisagem e narrativa são, portanto, duas palavras-chave para se refletir sobre suas obras. Ambas se interrelacionam com sua persistência na pintura, mesmo em ocasiões nas quais tal linguagem parecia eclipsada. Colocadas as coisas de outra maneira, sua pintura preservou aqueles dois elementos acima mencionados, acreditando na possibilidade da obra ainda se mostrar capaz de “contar uma história”.

(…) Hoje, após um século que desmontou as convenções da visualidade e da forma, é consensual reconhecer a paisagem e seus modelos como construções vinculadas à “invenção da natureza”. Isso dizia respeito a tudo nela implícito: da escolha do enquadramento, do acento que se lhe queria amalgamar, dos materiais ou maneiras oferecidas a sua experimentação, pouco importando se eram cenas urbanas, campestres, exóticas ou imaginárias. O que ficou claro era o fato da paisagem manter-se como um espaço ficcional, inclusive quando sua literalidade era explorada. Saindo de generalizações e considerando especificamente a artista, transparecia o caráter fantástico que fazia daquelas cenas mais do que um registro de costumes e suas conotações sociais mais diretas.

Guilherme Bueno, Rio de Janeiro setembro 2013

Trechos do livro “Cybèle Varela – Espaços Simultâneos: 2009-2013”

Cybèle é uma artista guerreira que em seu exercício com a pintura, fotografia e vídeo, se torna personagem e alquimista de diferentes universos, expressando hoje um compromisso profissional de seis décadas (desde os anos 60) com a resistência da imaginação artística no mundo contemporâneo. Nesta exposição somos tomados como sujeitos submersos ou suspensos antes de mais nada de si mesmo, a navegarem entre tempos simultâneos do agora, habitados pela solidão, ou por entidades e guardiões, evidentes e não videntes, contemporâneos e universais da natureza e humanidade.

(…) É através da crença no universo da linguagem pictórica que Cybèle oferece em suas pinturas espaços simultâneos de transferências, de mergulho e vôo para o fundo do mar ou para um mundo flutuante no cosmo através de paisagens oníricas que tornam visíveis, mesmo que de forma surreal, preocupações planetárias ou puro salto para a liberdade da imaginação artística. Nesta série de pinturas, a grande Onda do Hokusai é projetada como suporte improvável para uma odisséia enigmática da condição humana, onde se atravessam diferentes estilos e recursos plasmáticos de ficções e supra-realidades espirituais.

Luiz Guilherme Vergara Niterói, outubro 2013

Trechos do livro “Cybèle Varela – Espaços Simultâneos: 2009-2013”

Quando falamos de Cybèle Varela lembramos logo da vanguarda carioca dos anos de 1960, pois foi neste cenário que seu trabalho se tornou especialmente conhecido pelo público de arte brasileiro. Mas este foi somente o inicio de uma longa carreira em artes plásticas que hoje chega a quase 55 anos e que se desenvolveu em várias outras fases.

(…) Em 2005, apresentou-se mais uma vez no Museu de Arte Contemporânea de São Paulo (MAC USP) com uma série de trabalhos em que a iconografia cultural tornava-se o centro de sua atenção. O tema advinha, certamente, de seu background de antropóloga: as composições traziam a imagem do cangaceiro e de figuras de outras culturas e outros tempos. Suas obras traziam imagens que pareciam saídas da pintura barroca ou eram representações da religiosidade sertaneja nordestina. Nessas composições, apareciam objetos sagrados – rosários, crucifixos – como elementos protetores contra ameaças e perigos. Tempos culturais se somam, hibridizam-se.

Daí em diante, Cybèle, com sua grande fertilidade plástica, consolidará um caminho em que o mundo simbólico cumpre papel determinante no pensamento plástico. A magia dos tempos se projetará em suas telas. O espectador será levado a uma aventura cósmica, movimentando-se entre imagens que flutuam no espaço. Ele é convidado a interagir com as mitologias pessoais da artista. Trabalhando os suportes com tinta acrílica ou valendo-se da fotografia digital, Cybèle Varela em sua fase mais recente convida a ingressar neste mundo mágico.

Lisbeth Rebollo Gonçalves São Paulo, agosto 2013

Trechos do prefacio do catalogo “Ad Sidera de Athanasius Kircher” (2008)

A exposição “AD SIDERA” é um evento congenial que nos ajuda a reconsiderar fragmentos do que o erudito jesuíta havia estabelecido como um adendo a transformação imaginativa da cidade como vista pelos Papas e criado com resultados extraordinário pelos artistas.

A nova versão do obelisco (o original foi dedicado à rainha Cristina, da Suécia) reformulada por Varela como um sonho infantil mágico, permitirá aos visitantes olhar para a fonte de Bernine na praça Navona com novos olhos pois que nele inesperadamente adicionou a bailarina de Degas e um anjo de guarda – assim confirmando ironicamente o quarteto escrito por Pompeu Colonna cerca de 1652.

Aquele que aspira ter certeza, agora será recompensado
Pois que Athanasius a dupla gloria no final
De forma alguma tentada hoje reúne
Sagazmente o Cristão e o Mágico

Sob a guia da magia e do tempo que inevitavelmente passa, Varela nos reproduz a imagem de Kircher, dupla, tripla, derramada em um fundo vermelho no qual obeliscos e hieróglifos se mesclam em um fumegante caldeirão oval. Mais além o pinta circundado de aviões em meio de nuvens barrocas ou duplo e invertido como em uma carta de baralho.

Na entrada do Museu, o afresco dedicado ao peixe espada se destaca dos outros. O peixe voador exposto em uma vitrina é acompanhada da seguinte inscrição: “O saber é um tesouro incomparável, aquele que o encontra é abençoado: um amigo de Deus, mesmo se humano, mostra através dele uma aparência divina” ;”existe céu acima, existe céu abaixo, tudo é acima e tudo é abaixo, compreenda isto e vencerá”. Cybèle Varela nos ajuda através de suas imagens assimétricas, delicadas e violentas, alegres e melancólicas, a compreender e a reconhecer a lei to retorno eterno.

Paolo Portoghesi Rome, Março 2008

Trechos do prefácio do catalogo “Cybèle Varela” (2007)

O espírito dada-surrealista ainda sobrevive. De todos os movimentos de vanguarda, estes dois são os mais vitais e atuantes; resistentes e atuantes. Atualmente os encontramos como um habito mental in todos os experimentos artísticos do segundo milênio e atravessaram, vigorosamente, o limiar do segundo milênio. Presentes de forma dramática nas manifestações americanas da Arte POP apos a metade do século passado, estes movimentos estão longe de serem extintos: não, não foram uma chama mas sim uma nova e forte maneira de pensar e de fazer arte. Pop arte e surrealismo também estão na base do trabalho de Cybèle Varela. A pintora iniciou seu obra no final dos anos 60. Brasileira de origem, viveu e trabalhou na Europa desde sua juventude. Em Paris, por aproximadamente 10 anos, depois em Genebra. Pontos ideais de observação para seguir o desenvolvimento da pesquisa contemporânea.

Cybèle imediatamente enfoca o que lhe é congenial: fazer arte de forma Pop. Assim pode de uma só vez conciliar surrealismo e a essência das imagens profundamente conexas com sua cultura de origem, ou seja, extra Européia. A arte Pop em suas inúmeras declinações usa uma realidade de fundo nacional e popular, sempre diversas, plena de hipérboles absolutamente e profundamente revolucionarias em suas afirmações. De toda maneira extremamente coloridas e sempre alegres.

Em trabalhos recentes (…) expõe uma espécie de políptico no qual em seguimento singular, Santo Antonio, um jovem atleta japonês, seu amado cão, flores e frutas, aparecerem caprichosamente dispostos no espaço. Ao lado deste trabalho de grande empenho, auto-retratos são apresentados com perspectivas fulgurantes. Todos estes últimos trabalhos são em acrílico. Cybèle aparece, desta forma, ter adotado um novo caminho: retomando a perspectiva que com a geometria já teriam caracterizado suas obras, introduz em uma estrutura mais espaçosa, as vezes com acrobáticos saltos no espaço de audaciosos visões “de cima para baixo”, motivos pessoais e íntimos. Assim aparecem, junto com seu auto-retrato, imagens alegres de crianças – ou bonecas? – – um reflexos de tons dourados nos cabelos, reflexos esses expostos em maior evidencia por um fundo de céu de um azul implacável. Agora é o mundo interior que ocupa o espaço pictórico. As telas refletem uma espécie de alegria que emana de alguns trabalhos de Rosenquist. Seu mundo interior é evidente: sua pincelada rápida e firme parecem fazer alusão a uma serenidade quase sempre sorridente.

Bruno Mantura Roma, janeiro de 2007

Trechos do prefacio de “Cybèle Varela, peintures 1960-1984” (1984)

Para Cybèle Varela o mecanismo da pintura não passa por um efeito contido na matéria, esta vibração que supõe traduzir a emoção, a mão sensível as ordens de uma sensação finalmente sentida pelo corpo. Um acordo fundamental com o elementar, que é o motor de uma grande parte da produção da pintura contemporânea, se inscrevendo no eixo da abstração lírica.

Tanto pelo seu aspecto, como pelo efeito de depuração para o qual ela tenda e até pela distancia que cria com os seus temas, Cybèle Varela se inscreveria sobretudo dentro de uma corrente geométrica. Do lado dos arquitetos do espaço, de seus balizadores.

…Rompimento nítido com o século XIX, que contem em substancia toda a pintura de hoje, mas sem duvida esgotada pelo excesso desenfreado dos movimentos de vanguarda, sua sucessão acelerada, e que agora não responde mais as invocações daqueles que querem, a todo custo, ligar o presente a um passado de maneira mais ou menos racional.

Se bem que uma referencia histórica possível para Cybèle Varela situar-se-ia sobretudo do lado da pintura pussinesca, ou daquela do século XVIII, na sua dramatização amável, sua distinção um pouco distante. Pintura que foi o resultado de uma vontade do pinto, mais do que qualquer submissão aos dados de uma realidade que não era mais que um catalogo de formas colocadas a disposição do artista para sua arte e a expressão de seu pensamento.

Cybèle Varela que já è moderna pelo conteúdo, o é talvez mais ainda pelo seus métodos. Projetando menos no espaço o aprendizado de suas emoções que uma vontade obstinada de recriar um mundo, para sublinhar certos fenômenos que tomarão vida como expressão estética, mas também, mas perfidamente, como atitude face ao pensamento de um época. Sua moral.

Jean-Jacques Lévêque Paris, agosto de 1984

O Real ao nível da linguagem – prefácio a uma exposição individual na Galeria Bonino – 1975

Cybèle Varela não pinta paisagens. A total banalidade da imagem especular è somente um pretexto. O que desde o inicio me impressionou em suas obras, é a radical separação ou sobretudo a perfeita autonomia dentro de suas dependências internas, entre dois sistemas, o do “quadro” significante-pretexto e o da pintura, revelador visual e método de leitura.

O sistema pictórico de Cybèle Varela baseia-se em um método de leitura da luz: estruturação do raio luminoso e distribuição das sombras. O código é tão rigoroso quanto simples: a artista reproduz pictoricamente as sombras formadas pelas luzes que passam através da janela de seu atelier, exatamente como são fixadas pelo clichê fotográfico. A intervenção desde dado estrutural sobre a imagem-pretexto cria a articulação do discurso ou então a expansão sistemática da linguagem.

A relação assim estabelecida é múltipla: o que nos transmite a pintora em sua tela é algo como um raio de Sol e seus efeitos contrastantes. Essa estrutura leve, repetida infinitas vezes, de formas diferentes, constitui o fundamento sistemático da linguagem, o que nos ensina esta pintura.

A relação múltipla sobra/luz age sobre a unidade representativa da imagem (algo como uma paisagem) e é deste modo que a pintura de Cybèle Varela nos restitui a realidade pluridimensional do campo significativo. O real de Cybèle Varela existe apenas ao nível da linguagem.

Uma tal integração estrutural vale pelo extremismo do “parti pris” e as conseqüências decorrentes são lógicas. Esse sistema não tem fim, dirão vocês, esta artista tem somente 31 anos e ela pode continuar ad libitum seu impulso, explorar sem limitações seu método lingüístico: isto serie esquecer que as línguas vivas são mortais e que sua sobrevivência depende rigorosamente da relação representação/escritura. Eis o que Cybèle Varela conseguiu perfeitamente nos demonstrar.

Pierre Restany Paris, mayo de 1975

Paisagens – Prefacio a uma exposição na Galeria Liliane François – 1974

Há como que uma graciosa provocação no titulo desta exposição: Paisagens. E então? Pode-se ainda pintar paisagens hoje em dia, e cinqüenta anos da historia da pintura de nada serviram?

É preciso olhar esta exposição com mais atenção: o espaço pictórico de Cybèle Varela está bem longe da ilusão, conforme definida por Alberti. Uma tela nos separa daquilo que nos é dado a ver, que só é percebido através um jogo sábio de reflexos.

A pintora constata apenas o seguinte: nossa sociedade é feita de tal modo, que nos não somos mais “abertos” para a Natureza (menos ainda que nossas casas) mas é ao contrario, a Natureza que vem, graças ao vidro e à sua abstração, jogar como ambiente em nosso meio de vida. O homem das cidades perdeu o contato com a Natureza, e seu ideal de integrar.se a ela se realiza – da melhor maneira – pelo apropriação de uma visão (“sem barreiras”, se possível) dentro de seu universo domestico. Material e suporte-chave do sonho moderno, o vidro transformou a paisagem em espetáculo: é o que Cybèle Varela diz, em largas e alegres pinceladas coloridas sem complexo.

Foi sobretudo através do vidro que o homem avançou no conhecimento do infinitamente grande (o telescópio) e do infinitamente pequeno (o microscópio). E é o vidro que agora materializa a cada instante a ambigüidade fundamental do ambiente como observou muito bem Jean Baudrillard: o vidro é por vezes proximidade e distancia, intimidade e negação da intimidade, comunicação e não-comunicação. Seja êle janela ou mais precisamente no caso de Cybèle Varela, parede, o vidro cria uma transparência sem transição: obrigação de ver, mas proibição de tocar! Esta satisfação formal esconde uma relação de exclusão que este trabalho elegante e precisamente “distante”, mostra com um impressionante vigor.

Diz-se que o vidro é o material do futuro: que estas imagens nos ajudem a compreender que aquilo que elas mostram é a condenação do nosso próprio corpo e das funções orgânicas ao proveito de uma objetividade irrefutável: a dos seres incolores, inodores, imputrescíveis e indestrutíveis, como o vidro! Que a pintura de Cybèle Varela nos ajude também a dizer não, se ainda temos força para tal.

Jean-Luc Chalumeau Paris abril de 1974

Trechos do prefácio de uma exposição individual – Galeria Copacabana Palace 1970

A pintura de Cybèle Varela è franca. Pintar è sua forma de contestar a impostura – mas com natureza gaia. Jogando longe a ancora vemos Piero della Francesco e Hopper, ditando a narrativa clara de Cybèle: A tradição da lisura, da pintura em si, passando da depurada nobreza, ao ciclo da solidão do homem moderno e finalmente a iconografia solar do urbanismo carioca.

Neste momento fecundo e enérgico de sua vida/obra Cybèle Varela funda um documento de exigência – sua geração, com ela, esta mais forte e mais populosa. Pois ela não è um, ela è um personagem do censo, não do que reprime, mas do que cumpre a estatística. E seu povo è verdadeiro, como a sua cor desmistificada, como o prazer de seu jogo, como a sua ironia e manipulação do espaço.

Walmir Ayala, Rio de Janeiro, abril de 1970

Trechos do prefacio de uma exposição individual – Galeria Goeldi 1968

No momento, uma nova geração esta formando-se na Guanabara, Estado do Rio, São Paulo, Minas, Recife, Campina Grande e Campo Grande. Gente jovem, agressiva, impulsiva, descompromissada com os padrões academico-escolares e com as tradições, mas seriamente preocupada em encontrar as raízes brasileiras de nossa cultura.

Cybèle Varela faz parte desta nova geração.

Cedo revelou sensibilidade muito apurada para temas ligados a paisagem urbana, os quais sempre tratou com inteligência, verve e sentido crítico. Com efeito, a jovem artista entende que a vida em sua essência mais íntima é imutável, a vida é, eternamente, uma só. O homem, porém, é instável e seu viver precário. O meio urbano com seus estímulos e pressões, agravam esta instabilidade, transformando continuamente o modo de vida, determinando a obsolescência de todos os valores. A metamorfose do homem no meio urbano, eis um dos temas mais constantes de sua arte – ou pelo menos o foi até recentemente. Os luminosos, as “zebras” e outros sinais urbanos e de trânsito são usados para dar ênfase às transformações. A sua narração rompe frequentemente com os limites virtuais da tela, salta de caixa em caixa (box-form), quando faz uso deste suporte.

Em muitos dos painéis suburbanos, uma espécie de cartão postal ampliado e modificado, percebe-se a nostalgia de um Brasil telúrico, rural, tropical, nostalgia daqueles que morando nos subúrbios vivem ainda sentimentalmente no campo e no passado. E’ o Brasil-pão-de-acuçar-arara-bananeira-palmeira-copacabana que a artista constata mas que também contesta dialeticamente.

Frederico Morais Rio de Janeiro, junho de 1968